quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Crises contemporâneas

Hoje, li um artigo que contava a história de um menino e um sanduíche. A história era basicamente essa: “Os ensaios no Sambódromo, no Rio de janeiro, já começaram, e estão a todo vapor. Na verdade são ensaios das alas das comunidades, pessoas simples, algumas mais que nós, que vão lá ensaiar para fazer aquilo que eles já sabem fazer muito bem, que é sambar, e que por sinal, eles são os únicos que ensaiam, o gringo compra a fantasia no pacote da viagem, e nem sabe do que trata o samba. Muito bem, não é essa a história!
Após o ensaio de cada escola, é servido um lanchinho que consta basicamente, de um sanduíche, e um copo de suco. No último ensaio, enquanto as pessoas se organizavam numa fila para receber o agrado, surgiu um menino que não fazia parte do grupo do ensaio. A aparência não era nada boa! Vestia roupas sujas e mal cheirosas, portava uma mochila velha e desfiada, e na sua sabedoria de rua, identificou rapidamente quem mandava ali, e então, partiu na direção de um homem alto e magro, e disparou o pedido: “Moço, me dá um pão!”O homem respondeu que ainda não poderia dar pois havia muita gente para comer, e pediu que aguardasse, que se sobrasse, ele daria. Esses meninos, geralmente são insistentes, e costumam ser classificados como abusados por isso. Betinho explicava isso muito bem: “Quem tem fome, tem pressa”. E no abuso da sua pressa, insistiu com o homem, do jeito dele, claro, eles também não costumam ter muitos argumentos como nós, que estudamos, que lemos, que também não temos tanta pressa.
Após a insistência, que deve ter sido nada agradável para o homem, um segurança foi acionado para retirar o menino dali. A força bruta o colocou fora da área de conflito. O menino ficou ali, mas longe da distribuição do lanche. Alguns instantes depois, o mesmo segurança, ao receber o seu lanche foi visto lá do lado de fora, sentado com o menino, dividindo o pão e o suco, provavelmente se viu no menino, quem sabe um dia, esse segurança, já tenha tido pressa.
Estou contando tudo isso para ilustrar algumas coisas com que me deparei hoje. Hoje me envolvi numa discussão sobre uma criança de sete anos que liderava uma quadrilha de assaltantes, e que eu li coisas absurdas para uma população usuária de um instrumento de comunicação, que se presume que sejam leitores, pensantes e seres em evolução.
Eu me recuso a pensar como algumas pessoas, quando o assunto é ser humano. Eu não quero acreditar que uma criança de sete anos não tenha mais recuperação. Eu me recuso a ler que um ser humano, em especial, uma criança seja comparada a um fruto podre, e como fruto podre, não há como transformá-lo em fruto comestível. Essa ideia é tão ridícula, que me afronta. Seres humanos não são frutos, possuem cérebros, um órgão plástico, capaz de se modificar de acordo com estímulos, frutos, não. Seres humanos possuem uma característica única entre os seres vivos, muito mais importante, do que pensar, seres humanos possuem a característica da incompletude, e isso é mágico, pois nunca estaremos prontos, estaremos sempre dispostos, e com possibilidades de sermos diferentes do que fomos, e do que somos.
E se um dia eu não acreditar mais nisso, eu tenho duas alternativas: Morrer ou me transformar numa ermitoa.
E a discussão gerou uma prática muito comum entre nós, que é o julgamento e a condenação. Um disse mata, o outro, esfola. É isso que fazemos quando não sabemos mais o que fazer não é? Essa é a nossa covardia! A solução é matar! Mas em se tratando de uma criança de 7 anos que lidera uma quadrilha de assaltantes, matar mais o que? Já está morta, apenas respira. Ela já é morta todos os dias, quando se nega a educação de qualidade, quando as verbas são desviadas da saúde, quando não há médicos, equipamentos, materiais no SUS, quando a família é inexistente, é inoperante, é impotente, quando as valas negras, provocadas pela falta de saneamento, é a única água que tem para ser usada, quando a água é o que se espera do céu pra beber, enfim, eu teria milhões de motivos pra desfilar aqui, e falar da morte diária dessas crianças e pessoas.
Talvez, muitos de nós, agora, estejamos pensando que nada temos a ver com isso, mas eu sinto informar que, todos nós temos muito a ver com isso. Temos a ver com isso, quando nos aliamos aos políticos nojentos, crápulas e corruptos para nos beneficiar de alguma forma, e nos tornamos iguais a eles, temos a ver com isso, quando nada fazemos, enquanto não nos toca na pele ou na nossa família, temos a ver com isso, quando votamos por interesses próprios, temos a ver com isso quando furamos uma fila, quando desrespeitamos as regras, quando nos beneficiamos procurando os nossos “conhecidos” para burlar algo. Temos tudo a ver com isso! Mas o que sabemos fazer é julgar e condenar a morte os que se desviam. O que será que significa desvio para essas pessoas? Muitas delas, e eu tenho visto isso aqui todos os dias, exaltam o nome de Deus, o nome de Jesus, mas nessa hora, se esquecem do seu maior ensinamento: “Não Julgar o próximo”. Eu pergunto: “Onde estaria Jesus se estivesse aqui?” na casa dos que julgam o menino, e o condenam a morte, ou na casa do menino? Será que o menino tem casa? Acho que Jesus estaria com o menino, mesmo que ele não tivesse casa.
Vivemos numa sociedade hipócrita, falsa e nojenta, e nós fazemos parte dela. Falamos sobre o que não conhecemos, julgamos o que não vivemos, mas estamos sempre querendo nos dar bem, como na lei do Gerson.
Quem já esteve junto com um menino de rua, sem ter medo dele? Sem olhar pra ele como se ele fosse um animal faminto, sedento e perigoso? Quem já teve coragem de olhar no fundo dos olhos de um menino assim? Eu já! E foi pensando num menino desses que eu conheci lá no mesmo Rio de Janeiro, em 1989, especificamente na Praça XV, e que convivi durante quase um ano da minha vida, diariamente, tomando café juntos e ouvindo as suas histórias, claro, depois que ganhei a sua confiança , que eu fiz isso aqui:

Perdoe todos os medos.
Perdoe todos os segredos lacrados nos cofres da consciência.
Perdoe todos os dias sem chão, sem teto, sem sossego.
Perdoe nossa omissão.
Perdoe a falta de missão.
Perdoe nossas noites bem dormidas, a pesar de você.
Perdoe os vidros fechados, blindados e malcriados.
Perdoe a nossa distância, nossa infância, nossa ganância.
E quando estiverem de frente, olhando no fundo de nossas lentes,
Perdoe a falta de foco, o pensamento vazio e sem rota.
Perdoe a mão que não se estendeu.
Perdoe tudo que a vida nos deu.
Perdoe a falta de escola.
Perdoe a falta de bola.
Perdoe por ser perdoado de ser quem é, ser ao menos ter errado.
Perdoe a falta de colo, a falta de solo.
Perdoe a falta da falta que você não fez.

Coisas que do meu Querubim

Tem coisas que não entendo:
Maus pensamentos
Mágoas no peito
Doente sem leito
Dias sem ventos.

Tem coisas que peço bis:
Drops de anis
Criança feliz
Foca com a bola
na ponta do nariz.

Tem coisas que quero longe:
Gente invejosa,
Olhar desviado,
Papo furado,
Conversa preguiçosa.

Tem coisas que quero pra mim:
Calor do abraço,
Flor no jardim,
A beleza do laço,
E a proteção do meu querubim.

Vida Inteligente


Paulo Freire


Boa Noite